No dia 14 de outubro de 2023, Priscila Santos, empresária e moradora do condomínio Mansões, na Barra da Tijuca, viveu um episódio que exemplifica como o racismo estrutural ainda permeia ambientes considerados privilegiados. O incidente começou quando a gata de uma vizinha entrou na casa de Priscila e foi atacada pelos dois cachorros que ela mantinha na residência. O que poderia ser resolvido de forma tranquila escalou rapidamente quando a vizinha invadiu a casa de Priscila e proferiu ofensas racistas na frente dos filhos dela.
“Ela entrou na minha casa e começou a me xingar de vagabunda, preta, bandida, você não é digna de morar aqui, vergonha do condomínio, assassina, cachorro assassino”, relembra Priscila, ainda abalada com o episódio. Após o ocorrido, ambas foram à delegacia, onde o crime foi registrado inicialmente como injúria. No entanto, Priscila insistiu para que fosse tratado como crime racial, uma tipificação mais grave e que considera a discriminação em sua totalidade.
Racismo Estrutural e o Ambiente de Luxo
O caso de Priscila é emblemático para refletirmos, neste Dia da Consciência Negra, sobre como o racismo se manifesta nos espaços elitizados. Apesar de ter conquistado sua moradia em um condomínio de alto padrão, Priscila enfrentou preconceito explícito de uma vizinha e, de forma mais velada, por parte de outros moradores, que não se posicionaram em sua defesa. “Foi como se eu não tivesse direito de estar aqui. Eles me olham como se eu não pertencesse a este lugar, como se o sucesso ou o espaço em que vivo não fossem legítimos”, desabafa Priscila.
O racismo em áreas urbanas do Rio de Janeiro é amplamente documentado. Segundo o Atlas da Violência 2021, elaborado pelo IPEA, os negros representam 77% das vítimas de homicídios no Brasil, uma cifra que evidencia como a violência racial é predominante em nossa sociedade. No Rio de Janeiro, dados do IBGE de 2022 apontam que a população negra enfrenta índices de desigualdade maiores em todas as áreas, desde moradia até acesso à educação e empregos formais. Ainda segundo o IBGE, 32% das pessoas negras no estado vivem em condições de pobreza, em contraste com 15% da população branca.
O Processo Judicial e a Busca por Justiça
O caso, atualmente em trâmite na justiça, já teve uma vitória inicial para Priscila na primeira instância. Contudo, a vizinha recorreu, e o processo segue em análise. Para Priscila, buscar a justiça foi essencial, não apenas para ela, mas para mostrar que o racismo não pode ser tolerado. “É muito importante que as pessoas não se calem. O racismo é uma violência que tenta nos silenciar e nos colocar em um lugar de submissão. Não podemos permitir que isso aconteça. Buscar meus direitos foi uma forma de lutar por mim e por tantas outras pessoas que vivem isso diariamente.”
Priscila reforça a importância de marcar posição contra o racismo, especialmente em espaços onde ele costuma ser mascarado por privilégios socioeconômicos. “Eu não poderia permitir que aquilo ficasse sem resposta. Meus filhos viram tudo, e eu quero que eles cresçam sabendo que a gente tem voz, que ninguém pode nos desumanizar dessa forma.”
Consciência Negra: Uma Luta Permanente
O Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é um marco para refletirmos sobre os avanços necessários na luta contra o racismo. Casos como o de Priscila evidenciam que a discriminação racial não é apenas um problema individual, mas sistêmico, enraizado em todas as camadas da sociedade.
De acordo com uma pesquisa do Instituto Locomotiva de 2021, 47% dos brasileiros negros já se sentiram discriminados em locais públicos ou privados. No mercado imobiliário, o preconceito também é evidente: um estudo da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) em parceria com a FGV revelou que 62% dos brasileiros acreditam que a cor da pele influencia na forma como as pessoas são tratadas em condomínios residenciais.
Para Priscila, o episódio reforçou seu compromisso com a luta por igualdade. “Não se trata só de mim. É sobre todas as mulheres negras que foram silenciadas, que ainda enfrentam olhares e palavras que tentam nos diminuir. Mas eu não vou parar. Cada passo que damos é uma vitória para todos nós.”
Fontes:
• Atlas da Violência 2021 – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Disponível em: https://www.ipea.gov.br
• Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2022 – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Disponível em: https://www.ibge.gov.br
• Instituto Locomotiva 2021 – Disponível em: https://institutolocomotiva.org
• Estudo da Abrainc e FGV 2022 – Disponível em: https://www.abrainc.org.br